20 de novembro de 2020
Hoje é Dia da Consciência Negra e eu acordei com a triste notícia de mais um brutal assassinato de uma pessoa negra, o #JoãoAlbertoSilveiraFreitas, e também pensando o que mudou na minha vida, desde que eu tomei consciência de minha #branquitude e de todos os privilégios que eu e minha família temos, apenas por termos nascidos pessoas brancas.
Ahhh, que reflexão difícil…. ao mesmo tempo que eu acho que eu fiz e mudei muitas coisas, há ainda tanta coisa a fazer que me deu a sensação de que nada fiz… Mas sei que muita coisa mudou em minha vida e eu gostaria de compartilhar com vocês, não com o espírito de “nossa, olha como eu sou incrível”, mas sim com a intenção de compartilhar com vocês, pessoas brancas que me seguem, que a mudança só acontecerá quando a gente ir além de se manifestar nas redes sociais (não que isso não seja importante, mas apenas isso, pouco mudará no país). Então vamos lá:
Letramento:
- Devorei o Pequeno Manual Antirracista da Djamila Ribeiro que foi um abrir de mente para mim
- Devorei os livros da Chimamanda Adichie: Para educar crianças Feministas e Sejamos todos Feministas
- Li o livro: Branquitude: Estudos sobre a Identidade Branca no Brasil por Lourenço Cardoso e Tânia M. P. Müller
- Devorei inúmeros artigos, vídeos, posts e etc de inúmeros autores brancos e negros que se dedicam ao tema
- Assisti palestras com: #DjamilaRibeiro, #LiliaSchwarcz, #LiaVainer, #LourençoCardoso, #SilviaNascimento, #RobsonRodriguez, #RachelMaia, #EduardoCamargo, #MarcioCipriano, #RobinDiAngelo, #CidaBento, #VitorDelRey #SuzaneJardim e tantas outras pessoas de mentes incríveis que generosamente compartilham seus conhecimentos com todas as pessoas que procuram se instruir sobre o tema.
No campo pessoal, resolvi transformar as minhas redes sociais em lugares de compartilhamento de conhecimento. Comecei a usar o instagram e o Facebook para me instruir, me informar e também para compartilhar conhecimentos dos quais venho adquirindo. Neste sentido, comecei a seguir inúmeras pessoas negras incríveis que simplesmente eu não conhecia por pura invisibilidade que as vidas negras possuíam em minha vida. Hoje, minhas redes sociais são povoadas, em sua maioria, por pessoas negras, personalidades, pessoas da academia, da tv, pessoas comuns, estudantes ou pessoas que concluíram doutorado, mestrado, pós-doutorado. Pessoas negras, pessoas gordas, pessoas LGBTQIA+, pessoas com deficiência, pessoas…. e pude constatar o que os estudos mostram de forma explícita e que eu não acreditava e que não doía em mim: em todas as interseccionalidades possíveis, a pessoa negra (em especial a mulher) está sempre na base da pirâmide. A mesma coisa fiz com minhas escolhas musicais e eu comecei intencionalmente a ouvir artistas que eu nunca havia ouvido e me encantei com a qualidade, profundidade e beleza de suas músicas: #Emicida, #RicoDalazan, #Iza, #ElzaSoares, #Alcione, #Majur, #Djonga, #SandradeSá, #Ludmilla, #SeuJorge e tantos. Alguns obviamente eu conhecia fazia tempo, mas nunca tinha parado para prestar verdadeiramente atenção em suas letras e mensagens.
No campo espiritual, resolvi observar como a minha própria igreja (cristã) estava lidando com o tema e fiquei feliz e aliviada ao perceber que o meu pastor, #EdRenéKivitz, tem se aprofundado também na questão racial, de gênero e da causa LGBTQIA+, entre outros, e que resolveu levá-lo ao púlpito no último dia 25 e 29 de outubro, assumindo sua reflexão sobre sua branquitude, o reflexo na igreja e sua intenção de mudar, tendo pago um alto preço como consequência: uma verdadeira onda injusta, racista, preconceituosa e totalmente anti-cristã de cancelamento e desrespeito. Para não ficar na “bolha” da minha própria igreja, há anos outras vozes, como a do Pastor #AriovaldoRamos, e há pouco tempo de #PastorHenriqueVieira, e do Pastor #FelipedosAnjos percebi que minha leitura da Bíblia, não está errada, e que equivocadas estão as pessoas que não entenderam ainda que:
- A igreja cristã católica, que difere suas crenças da protestante, mas não deixa de ser cristã, foi a grande avalista e permissiva do período escravocrata do Brasil (e quiçá do mundo, mas não tenho conhecimento o suficiente para afirmar isso categoricamente), portanto, deve um pedido formal de perdão a todo o povo africano e tem o dever de engajar o mundo em uma política de reparação global ao continente africano.
- As imagens cristãs que conhecemos são racistas, pois as imagens feitas da época não são fiéis às pessoas que nasceram naquela região, possivelmente negras.
- Nossas estruturas cristãs católicas e protestantes, em sua grande maioria, também são racistas, pois dificilmente vemos autoridades cristãs negras influentes, assim como não vemos na igreja cristã protestante (ao menos) de classe média/alta pessoas negras nos púlpitos ou em outros papéis que não nos grupos de louvor (reforçando o estereótipo que a pessoa negra “só serve” para cantar, dançar e praticar esportes), apenas na periferia.
- O Evangelho de Jesus nos ensina que devemos Amar ao teu próximo como a ti mesmo. Daí eu pergunto as pessoas brancas que me seguem: Você acha que existe racismo no Brasil? Não? Então me responda: Você gostaria de ser tratado como uma pessoa negra (e por extensão uma mulher, um gay, uma pessoa gorda) é tratada no Brasil?
- Aprendemos em nosso ambientes religiosos cristãos a condenar todas as demais religiões, em especial as religiões de raizes africanas. Aprendemos a condenar, a desrespeitar, a chamar as pessoas que seguem essas religiões de forma racista, preconceituosa e pejorativa. Isso não é cristão. Não foi assim que Jesus nos ensinou. Vamos parar com isso?
Nossa verdade cristã é a nossa verdade! Por mais que acreditemos que Jesus é Senhor e Salvador e que não há outro caminho que leve a Deus que não passe por Jesus essa é a NOSSA VERDADE E NÃO A DEVEMOS IMPOR A NENHUMA OUTRA RELIGIÃO. Assim como o Senhor Jesus não invade nossa vida, mas aguarda ser convidado para entrar, assim devemos agir com nossas irmãs e irmãos de outras religiões. Não devemos impor uma supremacia cristã! Ela não existe! Ela não é cristã! Não devemos negar a experência religiosa de absolutamente ninguém, mas sim respeitar. Negar a experiência religiosa de qualquer pessoa não é o que Jesus prega.
No campo profissional, envolvi-me com a comunidade negra da minha empresa e me pus à disposição para aprender e a servi-los. Em comunhão e aliança com minhas irmãs e irmãos negros aprendi muito e tive a oportunidade de me conhecer, identificar minha branquitude e meus gatilhos racistas. Na comunidade de pessoas negras da minha empresa, trabalhei bastante esse ano. Liderei conversas raciais para pessoas brancas em conjunto com meus amigos negros, liderei um estudo sobre como nossa língua portuguesa é racista, machista, homofobia, gordofobia, capacitista e, em conjunto com um grupo de amigos, fizemos um estudo sobre expressões racistas e preconceituosas e propusemos substituições sobre essas frases e palavras, participei de roda de conversa com pais e mães da empresa sobre como educar crianças antirracistas, entre tantas outras coisas! Pus-me a disposição para ouvi-los, empoderá-los e servi-los nas inúmeras ações que realizamos na empresa nesse ano.
No campo familiar, trouxe o tema para dentro de casa e não houve nenhum dia sequer que não falamos sobre isso aqui em casa. Falamos ao assistir a TV, o jornal (sou viciada em noticiário), os programas para adultos, os programas infantis e a falta de representatividade de pessoas negras (e a objetivação da mulher) nesses programas e o excesso de representatividade negra nas notícias trágicas dos jornais. Minha filha tem 10 anos e falamos sobre isso todos os dias, sobre, inclusive, a falta de representatividade em sua própria escola. Meu filho tem 3 anos e acho que tenho deixado a desejar em relação a ele, pois vejo que ele não possui brinquedos com a representatividade negra e preciso consertar isso imediatamente.
No campo escolar, tenho provocado essa discussão na escola de minhas crianças. Minha filha está no 4º ano e há alguns meses peguei o livro dela para ver como a história do Brasil estava sendo retratada e me assustei. Chamei a Diretora para conversarmos e convidei as (poucas) famílias negras que conheço na escola para em aliança, iniciamos essa urgente abordagem e reflexão conversa com a escola. Cheguei inclusive a ver outra opção de escola para minhas crianças, para saber se a questão racial chegou em outras instituições de ensino. Investiguei uma escola (incrível, maravilhosa) aqui perto de casa, na mesma rua, praticamente, que estava vendendo ser uma escola líder e muito engajada com a educação do futuro. Essas foram as perguntas que fiz numa live e todas elas, sem exceção, foram ignoradas pela liderança da escola.
- Vocês cumprem a lei 10639? Se sim, como?
- Como é feita a inclusão de crianças LGBTQIA+ no ambiente escolar?
- Qual é a porcentagem de pessoas negras na liderança, corpo discente e docente da escola? E na equipe de limpeza?
- Como é contada a história do Brasil?
Entretanto, desisti de mudar minhas crianças de escola, porque isso seria um ato egoísta. Preferi mantê-las lá, já que gosto da escola, e investir na conversa com a escola, em prol do bem dos alunos e da sociedade que estamos ajudando a formar através dessa instituição.
A conversa com a liderança da escola começou intensamente agora no 2º semestre e sei que será uma conversa frutífera, porém lenta. Tenho fé, paciência e determinação para não desistir dessa transformação.
Na política, uau, quanta desconstrução. Entendi que faço parte de uma bolha social e que, quer eu queira ou não, faço parte de uma elite opressora. Entendi que se eu continuasse a votar da forma que eu vinha votando, nada mudaria em minha vida, então, nesse ano, decidi votar como se eu fosse uma mulher negra. Li os planos de governos e optei por aquele que mais se identificava com a causa racial e da diversidade. Aquele que mais olhava para as pessoas da periferia e que mais beneficiaria esses bairros, em detrimento do meu. Da mesma forma foi meu voto para a vereança da cidade. E agora no 2o turno e decidi: Já que tenho que votar em homem branco (como agora acontece agora em SP, que não há diversidade nem de raça e nem de gênero na disputa), que seja em alguém que traga o novo e que traga a periferia para o poder. Chega do mesmo. Aqui em SP estamos sendo governados 30 anos pelas mesmas pessoas da elite. Chega!!
Nos grupinhos de Whatsapp, resolvi não me calar. Não me calo mais com uma piada racista, machista e homofóbica, não me calo mais com discursos de ódio e classista. Simplesmente não me calo mais. Esse foi o compromisso que fiz comigo mesma e publicamente em junho (link aqui) e que tenho levado à risca. Já trouxe a discussão racial em vários grupos que faço parte e, inclusive, estou devendo a um grupo de liderança empresarial, uma conversa profunda sobre o tema (sairá em janeiro, aguardem).
* * *
Enfim, isso é um pouco do que foi meu 2020. Um ano de descobertas, de transformação e de ação. Muito pouco perto dos 132 anos de abolição sem nenhuma reparação, mas o início de uma longa trajetória de luta e transformação. Estou longe de ser uma pessoa não racista, aliás, não é possível não ser racista tendo nascido no Brasil, afinal, sou beneficiada todos os dias por essa estrutura social racista que está imposta e que tem como pilares o racismo e o machismo. Sou, contudo, uma pessoa em eterna desconstrução, que percebeu que para mudar é preciso ter coragem e, coragem, eu tenho de sobra.
E você pessoa branca que me segue, conta para mim: O que tem feito, além de postar quadradinho preto em seu instagram?
Tem interesse em conversar comigo a respeito? Estou à disposição para falarmos, caso você ache que minha trajetória possa lhe inspirar.
Um abração e viva Zumbi dos Palmares! Viva o povo negro que carregou e carrega nosso país nas costas desde sua fundação, limpando nossas casas, nossas sujeiras e nos servindo! Abaixo ao racismo estrutural! Abaixo à ilusão da democracia racial! Reparação, respeito, equiparação e representatividade as pessoas negras e pardas, já!
Mirele De Araujo Santos
Texto escrito no dia 20 de novembro de 2020, em cima de uma cama, pois estou com a coluna travada e apenas com uma mão, enquanto meu filho dorme usando a outra para me sentir ao lado dele. Então, certamente, há erros de concordância que poderiam ser revisados, mas que preferi publicar assim mesmo, com erros, da forma que me veio à cabeça, pois isso não é uma dissertação de doutorado, isso é um texto para pessoas que me seguem.
Texto publicado originalmente no Linkedin, no dia 20/nov/2020, link abaixo:
https://www.linkedin.com/pulse/hoje-%25C3%25A9-20-de-novembro-2020-e-a%25C3%25AD-pessoa-branca-como-eu/?trackingId=b702AgzrSmqnPjsweBxChg%3D%3D